terça-feira, 30 de dezembro de 2008

A Crise


Estamos todos diante da crise. Alguns já se deram conta dela na prática. Outros nem a sacaram e a maioria ouve falar de seus efeitos tupiniquins no nível de uma mera marola.

Comentaristas econômicos já a comparam como infinitamente superior à da depressão de 1929 que levou centenas de investidores da wall-street a se jogarem de seus escritórios dos arranha-céus de Nova Iorque.

A dita crise apenas eclodiu. Na verdade, estamos em crise desde os primeiros anos que sucederam a segunda guerra mundial.

Nos primeiros anos da década de 1950, cessado o êxtase da vitória contra o “Eixo”, os destinos estratégicos do capitalismo e o próprio momento da fecundação da crise que agora se instala foram selados por um assessor do então Presidente dos Estados Unidos conforme está brilhantemente resumido num vídeo denominado "stuff" ou a "história das coisas" que rola discretamente na internet e que deveria ser ferramenta indispensável para professores e alunos fazerem, juntos, reflexões em todas as escolas de todos os níveis de ensino. Mesmo para os “pequenos”, do primeiro grau, já que o vídeo é extremamente didático, embora volumoso em termos de informações.

A versão dublada em português, uma excelente dublagem, pode ser vista clicando AQUI.

É pegar ou largar as informações. Elas estão lá, na internet, a mais democrática criação humana até aqui.

O bicho-homem sempre foi seduzido pela idéia do abordar e tratar o efeito em detrimento da causa. Infelizmente é assim em todos os seguimentos da atividade humana. Por exemplo, na indústria farmacêutica coadjuvada pela comunidade médica ou vice-versa, não se sabe, e ainda com a complacência ou bênção da ANVISA, sintomas das doenças são, muitas vezes, imediatamente atacados e tratados com medicamentos de grosso calibre mesmo quando ainda se desconhece a causa exata que o deflagrou.


O caro sistema fármaco-industrial requer bilionários investimentos em pesquisa e desenvolvimento para sintetizar os medicamentos a partir dos insumos disponíveis na biodiversidade.

Feito o produto, o retorno esperado pelos investidores tem que ser efetivo e lucrativo e, então, vale tudo: - visitas de propagandistas aos profissionais da medicina, propagandas institucionais dos laboratórios, lobby em cima dos políticos, dos hospitais dos órgãos de controle nacionais e internacionais. Uma gigantesca infra-estrutura de poder maior que a de muitos países.

O resultado aparece nas prateleiras das drogarias onde fazemos filas (dependendo do preço) para comprar.

Eis a parte visceral do consumismo e a sua forma mais cruel: - O Consumo de medicamentos...

Usei o termo fila pouco atrás e, de propósito, como um "aperitivo" para descontrair este artigo, pois, mais na frente, vou contar uma piada sobre filas que demonstra o quanto tanto os russos como os brasileiros são bem-humorados. Aguarde...

Você sabia que até as filas tradicionais, que conhecemos, são matematicamente projetadas? É isso mesmo! Os bancos, por exemplo, quando dimensionam seus guichês de atendimento, os caixas, para aquele mundão de gente, não fazem isso aleatoriamente.


Por detrás do gerente do banco tem um cara, um matemático, com conhecimento da teoria das filas, que calcula exatamente o tamanho médio da fila “suportável” ou que o banqueiro acha suportável pelo cliente em função do conjunto universo dos clientes da agência, do número de funcionários-caixas disponíveis e, ainda, em função das restrições de orçamento arbitradas e impostas pelo banqueiro a título de redução de custos.

Resultado: - O Banco Central, pressionado pelos que ousam reclamar através dos órgãos de defesa do consumidor estabelece regras complacentes de “tempo máximo permitido na fila” para que os banqueiros se ajustem e determinem novos parâmetros ao cara dos métodos quantitativos de plantão que redimensiona o tamanho da fila em função da tolerância do cliente...

Uma outra afronta injustificável e provocativa dos bancos é a revista eletrônica que os banqueiros determinaram a todos os clientes antes de os mesmos adentrarem às agências. Milhões de clientes são revistados de forma humilhante, todos os dias, enquanto as agências estão abertas e tal revista não funciona à noite quando somente os clientes entram e permanecem entre caixas eletrônicos sem a mesma segurança.

Feita essa introdução, vamos então à piada.

O povo russo é muito parecido com o brasileiro. Um povo simpático, apesar do extraordinário frio que normalmente leva outros povos do hemisfério norte a serem mais depressivos, menos alegre, menos comunicativo com a vantagem de não poderem ser indolentes, até por uma questão de sobrevivência...

Eis que um dia, em Moscou, bem no meio de uma praça, coberta de neve, próxima do Kremlin, ventando para cacete e num frio “frio-da-mãe”, um russo resolveu parar, agachar e ficou algum tempo amarrando os cadarços da bota. Ato contínuo, outro russo que cruzava com ele, ao ver a cena, se postou logo atrás. Mais outro russo que coincidentemente por ali passava, vendo os dois ali parados, também se postou atrás e assim foi crescendo uma fila bem no meio da praça. Uma puta fila. Uma “fila-da-mãe” como gostam também os brasileiros...

Como a fila não “andava”, um russo mais estressado, que estava já bem longe na fila, resolveu ir lá “prá frente”, ver o que estava acontecendo já que a fila não andava... Mas, não sem antes, garantir seu lugar na fila, e pedir aos dois, o da frente e o de trás do lugar em que estava para que “guardassem seu lugar na fila”... Igualzinho aos brasileiros...

Feito isso, ele se mandou lá para o “Início da fila”. Chegando lá, indagou para o russo “do cadarço”: - Ô meu! O quê está havendo com essa porra dessa fila que ela não anda de jeito algum?!

O “do cadarço” explicou que ele estava apenas amarrando a bota e, de repente, cresceu aquela “fila” atrás dele e que, portanto, ele não tinha nada a ver com isso...

O cara do rabo da fila ficou puto. E perguntou:

- Porra!
- Por que, então, você não vai lá trás avisando a um a um o que realmente aconteceu?

E o russo já com a resposta na língua disparou:

- Nem pensar, cara! Assim vou perder o “primeiro lugar da fila”!...

Assim são os brasileiros também. Eles também “se amarram” numa fila e, antigamente, antes do advento da tal “fila única” quando se deparavam com vários guichês, preferiam sempre os guichês com fila maior por desconfiarem da “moleza” de não haver uma fila...

Mas voltando à crise o que se pode observar é que ela não veio como aparecem os tornados nos Estados Unidos. Vários a cada período do ano. A crise veio para ficar. Instalou-se na terra do Tio Sam, por sinal, de forma mais que merecida.

O maior país das Américas há muito ditava ONDE e QUAL o nível de risco para o capitalismo internacional. Os Estados Unidos sempre manipularam diariamente os índices de risco - DOS OUTROS países, claro: - Risco Brasil, risco México, risco Venezuela, risco Bolívia. Cada um tinha seu índice. Isso era questão "pacífica" como diriam os juristas dos tribunais superiores. E foi pacífico até os primeiros episódios da quebras de grandes empresas americanas como a Pan-American por exemplo. Seguiu-se o escândalo da maior empresa de auditoria do mundo que, cuja diretoria FRAUDAVA balancos, e onde devia ter muitos auditores ou corruptos ou burocratas e incompetentes do tipo que fica contemplando formiguinhas enquanto elefantes passam despercebidos por suas cabeças...

Em pleno período onde o “risco Brasil” anunciado por corretoras credenciadas do mercado financeiro de Nova York era de 4.000 pontos, os escândalos financeiros americanos prenunciavam a decadência do neoliberalismo do mundo capitalista.

O governo Lula tratou de se munir de espetacular blindagem em sua política monetária e econômica e, apesar dos patéticos senadores da oposição, focados em seus próprios umbigos, interessados apenas em emporcalhar a democracia com obstinadas tentativas de derrubar o governo ungido por mais de 60% da população votante do Brasil!

O termo “marola” utilizado pelo Lula para referir-se aos possíveis efeitos da crise sobre o Brasil foi justo, na medida em que expressou toda uma confiança da equipe de governo no potencial do Brasil de reagir rapidamente e, principalmente, no arsenal representado por suas reservas, arsenal acumulado graças à competência e, contrariamente ao discurso da oposição, graças às mãos limpas dos líderes do PT que deram lições de resistência no poder ainda que bombardeados por uma oposição obstinada e uma mídia que parecia desenterrar o grupo de mulheres e homens da classe média de São Paulo e da Zona Sul do Rio que, em passeatas, pediram e conseguiram a tomada do poder do então Presidente eleito João Goulart pelos Militares no funesto ano de 1964.

Uma máxima consoladora usada em Economia e também em Administração de Empresas é que a crise gera oportunidades. Se se perdeu o emprego, eis a oportunidade de se conseguir um melhor. Se a empresa está balançando eis a oportunidade de planejar, recomeçar e usar a experiência para não se deixar envolver mais nas mazelas do mercado.

A teoria sociológica na qual o FHC era doutor mas a desconheceu em seu governo e renegou até quando recebeu um título de doutor honoris causa numa Universidade Alemã é cruel quando através de mecanismos de reação promove os devidos “acertos”’ na sociedade. Esses “acertos” às vezes sacolejam todos de uma forma brusca que pode até derrubar alguns, mas faz com que a maioria dê uma “chegada” prá frente, semelhantemente como faz motoristas dos ônibus cariocas, quando deliberadamente, dão uma “pisadinha” brusca no freio para que a “galera” se arrume melhor, um dissimulado “empurrãozinho prá frente” para que caiba mais gente no ônibus...

Outra analogia que se pode fazer é um conselho que muitas vezes é dado para um empregado que tenha sido demitido: - “não de desespere com o pé na bunda que levou no emprego! O pé na bunda, geralmente, tende a mandar o sujeito prá frente e prá cima (quando bem dado, é claro...). O que é duro e não é moleza, é levar um chute no saco... Esse sim, manda o cara para trás e inevitavelmente prá baixo...

Então, pessoal, essa crise, do ponto de vista sociológico, é uma coisa que, no fundo, no fundo, era esperada por todos. Todos sabiam que havia e ainda há muita coisa errada. Pelo menos aqui no Brasil:

- Uma carga tributária absurda que é mais de dobro da que o Tiradentes contestou, foi morto e virou herói nacional. E olhe que, na época, Tiradentes não tinha megafone, não liderava o povo e não tinha uma Esplanada de Ministérios feita deliberadamente para protestos.

- Pagar 10% de juros aos bancos enquanto os investimentos mais ousados não geravam nem 1% líquido de juros. Ora, isso é a própria legalização do roubo!

- Fazer compras à prazo por ser impossível obter descontos. Ser obrigado a ouvir cascatas, argumentos indecorosos de que “tanto faz pagamento em dez vezes como pagamento à vista”. Ora, como tanto faz? Como podem afrontar nossa inteligência dizendo que um é o mesmo que 10?

- Fazer contratos com operadoras de telefonia com cláusula pétrea de fidelidade enquanto a fidelidade do casamento é descriminalizada e até banalizada nas novelas.

- Ser refém de telemarketings ativos que, facilmente, se confundem com ações de criminosos de voz mansa enquanto a Anatel em atitude complacente aceita a manutenção de um péssimo atendimento.

- Ser vítima de produtos industriais adulterados legalmente com a complacência de órgãos de controle que permitem versões “mix” de chocolates cujo gosto nada tem mais a ver com o da época cacaueira da Gabriela Cravo e Canela, de mix de cafés mais para casquilhos do que para o gosto árabe de suas mudas plantadas no século IX.

A Sociologia, matéria muitas vezes deixada de lado pelos estudantes tem o vigor de alavancar reações irreversíveis das profundezas humanas. Reagem sem saber por que reagem. Mas reagem. Salve! Viva portanto, o inconsciente coletivo. Viva a subjetividade! O povão ditará a nova ordem mundial que será a revolução da qualidade, de baixo para cima e não mais da “alta administração” para baixo como prescreve a maioria dos programas de qualidade responsáveis por discursos inócuos como “focar o cliente” enquanto, na prática, depois que saem das reuniões de Conselhos, focam sempre o próprio umbigo...

Não é à toa que o famoso bordão da personagem da humorista paranaense consagrada como a melhor do ano, a Lady Kate é: - “Eu tô pagããããããno!...”

Esse é o ponto. Estamos prestes a sair de um estágio de mediocridade onde ficávamos “pagando e andando” para um outro, mais nobre, mais competente, no qual a análise de valor é premissa e um freio para compras desatinadas de produtos e serviços de baixa qualidade.

Estamos pagannnnndo! Portanto, temos direitos! Essa é a mensagem implícita do quadro de humor que, nem por isso fica internalizada no inconsciente coletivo. Tanto fica que o povo gosta. As crianças gostam. E quando as crianças gostam é porque existe pureza na expressão.

Se estamos pagando temos que ter a contra-partida à altura. Senão, vamos acabar “rodando a baiana” e, rodar a baiana, será, em primeiro lugar, não comprar, mesmo tendo grana para tal. Isso por si já será uma porrada no sistema. A consciência do poder de compra jamais foi ensinada ou estimulada. Mas esse poder existe e é a maior arma de barganha de um povo!

Portanto, independentemente do nível de educação do povo, a postura vai mudar. A elite ditou as regras até agora. A crise está aí dizendo no ouvido de cada um de nós: - Agora, quem ditará as regras de mercado, seremos nós, o povo.



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